segunda-feira, 16 de março de 2009

O Cruel Riso dos Amores

Foste-te embora e deixaste o perfume para trás. Comigo ficou apenas a graça, o brilho no olhar. A força conjunta que nunca me deixaste apagar. As noites de marfim, em que nos afundávamos nos peitos exaltados de emoção, de cumplicidade. Contigo nunca soube o que esperar. Chegavas e partias abstido de porquês. Eu via-te, sorria - o peito prestes a explodir -, abraçava-te - sempre te abracei. Depois, a ansiedade, a corda esticada em demasia - será que parte? Será que não? Eu já sabia, já sabia o que vinha depois: pânico, estilhaços... cinza. Borboletas numa cadeia de chamas quebradas. O teu rosto ganhava os contornos das casas pouco nítidas, de manhã, e o primeiro passo para lá da porta de casa, nos dias de trabalho, um tropeção na tua ausência. O resto não podia dizer que fossem, de facto, passos, mas eram cair, eram queda em demasia, uma vertigem de ser levado, sem plano ou esperança futura, às nuvens paradisíacas da tua memória.

Eu metera a rosa numa jarra com água, acreditava que assim a conservaria sempre bela e viva. Todos os dias a olhava e sorria, sorria sem sorrir, o simples, o verdadeiro sorriso de um olhar. Cada dia que passava a sua beleza era mais exaltada ao abrir do seu botão. Eu deixava-a repousar na segurança, no conforto de a ter ali. Porém, a água esquecida, abandonada à estagnação do tempo, tempo que se transforma na areia desértica dos pequenos e dos grandes aconteceres, desterrados de lar, amortecidos por repetições inalteradas; e as águas, agora estagnadas, de anjo da guarda a fantasma e assombração, do botão da perfeição imaginada, brotou o decair de uma realidade impossível todos os dias e todos os momentos em que respiro. A imagem dos teus olhos bonitos, descobertos, são a visão dos meus olhos cerrados, obsoletos.

Rasguei o botão enganoso; pétalas saltavam em todas as direcções: violência, histeria, o "crack" do gelo queimado. Nem sei se as pisei ou se me fui logo embora, deixando-as ao abandono do chão abandonado. Eu não queria, eu queria voltar, juntar as pétalas todas num botão ("no" botão). Eu queria correr, regressar ao verde daquela manhã, juntar as pétalas e beijar a flor que outrora me beijou.

Foi o agarrar com o abraço dos rios que correm sem olhar a nada e tudo nutrindo. Com o abraço que não se queda nos dedos, não se quebra nas mãos, o abraço que é também um riso triunfal sobre a limitação. Com olhares de amor puro fitei, excelente e certeiro, nos olhos directos, os demónios do tempo e da saudade, da revolta e da idade. Eu permaneci inalterado, e os diabos desfaziam-se agora em jardins edénicos. E foi o auge da loucura, da carne, do sangue. O apogeu do sonho numa dança de corpos mudos, gritantes. Oh guerra primitiva, massacre de toda uma vida! E as paredes caiem em tijolos dispersos, tudo se desmorona em ascensão divina. E rimos, rimos... Ruídos de ceara à brisa (que sobre nós cresce), bailarinos do azul celeste em despistes verticais. Volto a mim, volto... olhar parado sobre as televendas no televisor de imagem turva, sem saber à quanto tempo estou aqui, quanto tempo não vi passar, desde que te perdi...



Texto de Horned Wolf e pUnChdRuNk-LoVeSiCk

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