domingo, 5 de julho de 2009

Vila Final

Novamente os rostos rudes do campo.
E depois os góticos da provincia, "vieste à cidade?" diz-me a Ana.
E os metaleiros juntam-se na linha da frente para abanar o cabelo.
Thanatoschizo e depois My Enchantment.
A negra à entrada está irritada comigo por eu ser da imprensa e ela não me governar.
Ai... todas estas pessoas que uma vez me amaram, já não me olham, porque eu desapareci. Fico sozinho a observar a banda, e apetece-me fugir a mil à hora de todos. Bebo à borla com vontade de cuspir tudo.
Ainda não tenho a certeza se ela também veio esta noite, mas alguma coisa na Vila Final a fez refem, e mesmo se não veio, uma parte ficou.
No fim da noite um pastor alemão. As horas de espera.

Os cães uivam em histeria.
Não ha nada aberto.
Volto à estação.
Os cães uivam já roucos.
O pastor alemão passa.
Passado um pouco passa de novo e impossivelmente, na mesma direcção.
Um homem nu (só com tenis desportivos) está num monte de terra que mais parece barro, a sua barba do tamanho do seu cabelo e o seu cabelo comprido. Ao ver-me grita qualquer coisa. Desce como uma cabra. Três cães seguem-no, e quando chega a mim está já a meio de um discurso em voz de noticiario. em inglês ouço "you've never been there... now... I just want to shoot at you!", depois, sem se quedar muito tempo, começa a caminhar em trajectos rectos num perimetro envolta do mesmo centro.

Não percebo como é que tudo isto faz sentido, como é que nada mais faria sentido naquele momento.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

os olvidos
pulsos do vento
em suicídio,
cabeceando o ombro,
descobrem os escombros
das pálpebras entretecendo
sob a luz da casa, o escuro socorro do sono.
na tarde
precipitámos a noite
do astro de nossas bocas vertendo silêncio
de teu corpo relâmpago em mãos
abrindo horas, meses, anos e
escorremos e fomos muitos e
pouco e mãos e
medo e …
reencontramo-nos eras segredo e
eu já nem sou…
de fugir para ti,
sem que a fuligem da noite plúmbea
adie os concêntricos de sono e sede,
recendida.
sou ora habitante do escuro ora
lembro-me…

quinta-feira, 18 de junho de 2009

"Squash Every Week Into a Day"

Gosto de ti se derrubas a realidade
se o tempo perde o tempo
e te faz ser as manhãs e as distâncias
de rua.
Se te faz ser o entardecer, e os esgares
de Lua.
Se as mãos que são minhas são tuas
se construiremos o mundo,
independentemente do mundo.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Eu conheci-te numa noite destas...

Eu conheci-te numa noite destas, eu sei que sim. Conheci-te algures, não me recordo onde nem como nem sequer do que falámos, mas sei que foi importante. As tuas palavras… Sábias, indispensáveis. Tu mostraste-me a verdade em tão pouco!...
Gostava de me lembrar de ti, mas fugiste-me da memória. Nem sequer sei o teu nome, não conheço o teu rosto, a tua voz… Nada! O que me ficou foi algo meio abstracto, inalcançável, mesmo como se não tivesse acontecido, ou fosse sonhado, como aqueles sonhos que sabemos que tivemos, mas nos escapam os pormenores… Como um disco riscado ou uma fita deteriorada pelo tempo.
No entanto, é bom recordar-te, sentir o eco de ti que me foge. É, ao mesmo tempo, como se estivesses sempre por perto.
Ainda bem que te conheci.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

nós sem nós

é o melhor sexo
do teu sexo
em todo o sexo
que tu já empregaste,
mas a tua ida
não tem volta
e são poucos os caminhos
que já trilhaste

e já o coração dizia que a mentira não é feia se cozida em água fria.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Lascivo

Eu fazia sexo

Com os homens.

Eu bebia

Vicissitudes perdidas

No tempo.


Os cheiros mais profanos!

Doces, tenros…


- Toca para mim!

Estimula o meu sentido.


Jóias roubadas

Do ventre mordido.

Veneno vertido,

Sangue escorrido…

Sem telas,

Sem braços…

Amor aos pedaços.

Tudo em gritos

De caos.


…Sempre o momento

Suspenso nas horas.

Sempre a loucura

Na forma mais pura

Perdura...

sábado, 16 de maio de 2009

Sede

Um beijo. Sonolento, arrebatado pela doçura, um beijo. O silencio. Não bebi sangue. Foi um beijo, atrever-me-ia a dizer um beijo como qualquer outro. Ao Sol, os corrimões amarelos e a vista da praia de Sesimbra. O azul. Ele estava perto da máquina de escrever. As cortinas de céu. Os lábios de homem, ásperos e com feridas. Os meus lábios de rapaz. O vermelho incandescente dos pés da escrivaninha, um incêndio. A ausência de sangue e a velhice eterna. O cheiro de sovacos. O fim das noites, de todas as noites desde então, gravado no meu rosto.

Fechar os olhos, a minha vida trata-se sobretudo de fechar os olhos dentro do meu armário. A sua pele encarquilhada, o seu corpo inclinado, débil, esvoaçante nas cortinas carcomidas, a pedir-me um beijo como aquele. Náusea. Nunca mais o beijarei. Ele cai, cai para sempre, e as escadas de madeira podre caiem com ele. Os olhos cerrados são o meu corpo todo. Observo nos espelhos. Os seus dedos já não tocavam piano. Incapazes de tocar piano. As pombas acumulam-se dentro da casa. Cortaram a luz. O ruído surdo das asas. A lentidão das penas.

Não haviam manchas vermelhas nos nossos lençóis. Não haviam manchas brancas também. Se ao menos pudéssemos. Velhice eterna.

Observo nos espelhos. O toque dos meninos e das meninas no meu pénis. A carne que morre quente. Observo nos espelhos. A neblina e ela salta, lá fora, eu estou dentro. O restaurante é quente por dentro. Outros dedos tocam piano. Lá fora. Desce o corpo esguio pela neblina na água negra da piscina. As mulheres que se sentam juntas à beira. Observo nos espelhos. A cave branca com música industrial, o ruído giratório dos patins. O corpo do rapazito. O silêncio no corpo do rapazito. O silêncio entre os instrumentos. O silêncio entrecortado da respiração. O azul. A humidade nas paredes da cave. O corpo esguio desce entre a neblina, em eternidades sucessivas. Os meus olhos afundam-se nas covas dos meus olhos. A minha vida trata-se sobretudo de fechar os olhos no interior do meu armário. Qual terei sido eu? Observo nos espelhos. Os meus olhos afundados nos meus olhos. Os meus olhos afundados nas covas dos meus olhos. Os meus dedos tocariam piano.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O Monstro Barbudo

São beijos poluídos
De traições apaixonadas
Afectos mordidos
Por bocas inflamadas
Gritos que saem
Dos búzios do mar
Facas lançadas
A cada olhar

E enquanto o monstro
Passeava na estrada
Crianças morreram
Em menos de nada

Onde estão os heróis?
Que ninguém as salvou
Que é feito dos anjos?
Que ninguém as guardou

A magia vive nas cartolas
E os coelhos estão fora de moda.

sábado, 2 de maio de 2009

o tempo vai mudar

Não me recordo da minha infância, as recordações que tenho são de cassetes que já não existem, são de sonhos que sonhava na cama dos meus pais. Agora o quarto está fechado e tenho medo de lá entrar. Quando era pequeno brincava com um miúdo asmático, era o meu melhor amigo e estávamos juntos uma a três vezes por ano. Ele chamava-se Pedro, não tinha mãe e o pai passava os dias com o portátil junto à piscina. Quando alguma solteira ou estrangeira se estendia por perto, ele sugeria que Pedro fosse andar de baloiço. Pedro não sabia nadar, nunca houvera aprendido. Foi no balancé que o conheci, era de madeira, o chão estava coberto de areia e agulhas dos pinheiros. Eu tinha medo de cair e ficar mal porque, ao descer, embatia com muita força. Todos os dias nos encontrávamos nos velhos baloiços já sem tinta, no balancé, junto à entrada do parque de campismo. Pedro tinha bombas de asma de todas as cores, guardava-as nos largos bolsos de ganga e parava demasiadas vezes para as enfiar na boca e bombear. Nunca lhe perguntei o porquê dos apetrechos, apenas compreendia sem compreender, como compreendia tudo o que não compreendia. Éramos muitos novos. Não me recordo de nenhuma conversa, de lhe perguntar alguma coisa, à excepção da matrícula do carro do pai. Era um carro longo, bonito e preto. Pedro era o meu melhor amigo e era asmático, estávamos juntos uma a três vezes por ano. Depois dos meus pais se separarem, guardei aquele número de matrícula durante largos meses, depois da última ida ao parque, do qual já esqueci o nome. Quando os meus pais se separaram, não voltei a acampar durante largos anos. Além de Pedro, dos parques de campismo que confundo como um só e de uma rapariga com quem fiz a promessa de casar, não me recordo da minha infância. As recordações que tenho são de traumas e infortúnios, são de sonhos que sonhei na cama dos meus pais, são de cassetes que perdi na intenção de não perder. Agora a minha voz está selada, os meus pais estão mortos, a cama tem lençóis de pó, o quarto está fechado, as cartas de amor estão arrumadas numa gaveta e a rapariga dos meus sonhos não se recorda do meu nome. Eu recordo-me do nome que nunca escrevi, de uma festa de anos onde os meus pais me levaram, onde demos um beijo de mãos dadas, quando disseste que me amavas e querias casar quando fossemos grandes. Foi a última vez que te vi, depois disso, só ouvi falar de ti. Não me recordo que idade tinha, talvez a minha mãe me soubesse dizer. Era demasiado novo para compreender a perda, e foi assim que aprendi a crescer depressa. Aprendi que depressa aprendo e que depressa esqueço quando não guardo. Aprendi que perco quando tento guardar e que depressa esqueço o que tento não esquecer de guardar. Aprendi, da pior maneira, à custa de tanto, que tão pouco guardo de nós. Aprendi que gosto sempre da última coisa e que desprezo sempre a penúltima, que, por vezes, as posições se invertem como papéis teatrais e sou obrigado a esquecer algo mais – a ser algo menos. Aprendi que não aprendo quando sou obrigado. Aprendi a criar hábitos, habituei-me a criar hábitos de modo a não cair no hábito. Depois habituei-me a mudá-los quando me apercebi o quão fácil é cair no hábito habitual. Aprendi a inverter o hábito. Como é fácil perceber quem somos quando connosco nos sentamos! Em breve o tempo vai mudar e levar estas raízes para um solo difícil de polinizar. A música daquelas mãos aguça-me o silêncio dentro de mim. E tu dizes que gosto de me dar a conhecer, pois eu digo que lhe gastava o nome sem revelar o meu.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

what is what

what is what,
when the wolf is crying?
what is what,
when the moon is shining?
what is what,
when your dream becomes true?
what is what,
when the problem is you?

embracing the shadows of loneliness,
your heart turns to grey by the evidence...
screaming inside your everyday lament,
forget the rain
and meet the pain.

A Metade Devorada

De repente, toda a minha vida estava nela, e nas minhas praticas, nas minhas disciplinas sórdidas e bizarras. Depois ela, apoiando o coração na nossa solidão entre os quilómetros de Lisboa-Porto, e horas de trabalho ingrato que me emudeciam os lábios com revolta calada, e um olhar desesperado por escapatórias e soluções, sem que viessem, e dias que faltava e procurava que o meu currículo encaixasse por toda Lisboa; e dias que ela telefonava e eu calado, não nos falávamos quando falávamos, e ela tocava-me como despedidas a prepararem-se. Apoiando o coração na nossa solidão foi rachando-o e quebrou-o. Mas ela havia sempre de voltar, eu sei, porque, coração completo ou metade devorado, éramos casa um do outro, porque jurávamos que amávamos não para amar, mas porque não se continha.

Depois foi o silêncio total: Irreconhecível e fora da vida que se conhecia e concebia. Quatro dias paralisados. Depois uma mensagem: “Telefona-me agora”




Ás vezes, sempre com a mente na alquimia e no deserto, e naquilo que escrevia dia e noite sobre a alma das coisas se resumir numa só alma de coisas, vinha uma espécie de ladrão e esse ladrão, em vez de me roubar o coração, roubava-me a paz ao devolver-mo. Ás vezes aguentava muito, e lia Byron, Blake ou Yeats, depois chorava muito, e continuava a ler entre as lágrimas. De seguida chorava muito sem livros, só comigo e com os meus movimentos desregulados de círculos caminhados. Depois pegava no telemóvel, que tinha estragado quando ela me disse do outro colo, e tentava pessoas: pessoas que me pisavam, postrando-me humilhado, em lições sobre mim mesmo, em castigos de quebra de eremitério.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

a-deus

– Ainda me achas crente?
– Tu falaste-me de crença no primeiro dia.
– Tu pareceste-me crente.
– Novamente, também tu.
– Mas fiquei incomodada com o teu à-vontade.
– Como, se me falaste de crença?
– Tu é que agiste mal ao avançar como crente.
– É melhor não continuarmos esta conversa.
– Porquê?
– Porque eu sei das conversões antes de mim.
– Isso não te diz qualquer respeito.
– Só não quero que me digas que ficaste incomodada.
– Quer dizer que ainda me achas crente?

Silêncio.

segunda-feira, 16 de março de 2009

O Cruel Riso dos Amores

Foste-te embora e deixaste o perfume para trás. Comigo ficou apenas a graça, o brilho no olhar. A força conjunta que nunca me deixaste apagar. As noites de marfim, em que nos afundávamos nos peitos exaltados de emoção, de cumplicidade. Contigo nunca soube o que esperar. Chegavas e partias abstido de porquês. Eu via-te, sorria - o peito prestes a explodir -, abraçava-te - sempre te abracei. Depois, a ansiedade, a corda esticada em demasia - será que parte? Será que não? Eu já sabia, já sabia o que vinha depois: pânico, estilhaços... cinza. Borboletas numa cadeia de chamas quebradas. O teu rosto ganhava os contornos das casas pouco nítidas, de manhã, e o primeiro passo para lá da porta de casa, nos dias de trabalho, um tropeção na tua ausência. O resto não podia dizer que fossem, de facto, passos, mas eram cair, eram queda em demasia, uma vertigem de ser levado, sem plano ou esperança futura, às nuvens paradisíacas da tua memória.

Eu metera a rosa numa jarra com água, acreditava que assim a conservaria sempre bela e viva. Todos os dias a olhava e sorria, sorria sem sorrir, o simples, o verdadeiro sorriso de um olhar. Cada dia que passava a sua beleza era mais exaltada ao abrir do seu botão. Eu deixava-a repousar na segurança, no conforto de a ter ali. Porém, a água esquecida, abandonada à estagnação do tempo, tempo que se transforma na areia desértica dos pequenos e dos grandes aconteceres, desterrados de lar, amortecidos por repetições inalteradas; e as águas, agora estagnadas, de anjo da guarda a fantasma e assombração, do botão da perfeição imaginada, brotou o decair de uma realidade impossível todos os dias e todos os momentos em que respiro. A imagem dos teus olhos bonitos, descobertos, são a visão dos meus olhos cerrados, obsoletos.

Rasguei o botão enganoso; pétalas saltavam em todas as direcções: violência, histeria, o "crack" do gelo queimado. Nem sei se as pisei ou se me fui logo embora, deixando-as ao abandono do chão abandonado. Eu não queria, eu queria voltar, juntar as pétalas todas num botão ("no" botão). Eu queria correr, regressar ao verde daquela manhã, juntar as pétalas e beijar a flor que outrora me beijou.

Foi o agarrar com o abraço dos rios que correm sem olhar a nada e tudo nutrindo. Com o abraço que não se queda nos dedos, não se quebra nas mãos, o abraço que é também um riso triunfal sobre a limitação. Com olhares de amor puro fitei, excelente e certeiro, nos olhos directos, os demónios do tempo e da saudade, da revolta e da idade. Eu permaneci inalterado, e os diabos desfaziam-se agora em jardins edénicos. E foi o auge da loucura, da carne, do sangue. O apogeu do sonho numa dança de corpos mudos, gritantes. Oh guerra primitiva, massacre de toda uma vida! E as paredes caiem em tijolos dispersos, tudo se desmorona em ascensão divina. E rimos, rimos... Ruídos de ceara à brisa (que sobre nós cresce), bailarinos do azul celeste em despistes verticais. Volto a mim, volto... olhar parado sobre as televendas no televisor de imagem turva, sem saber à quanto tempo estou aqui, quanto tempo não vi passar, desde que te perdi...



Texto de Horned Wolf e pUnChdRuNk-LoVeSiCk

(A) vida ao pescoço

Oito e oito. Ela vestia a saia favorita sobre as leggins a condizer, um arco-íris de arredondadas pregas. Depois o top, acertando um acorde diminuto, quando ao agarrá-lo de cima do piano. Eu recuei da luz, entreabri uma pálpebra pesada. Ela ajeitava o cinto sobre a cintura. Um velho pescador fazia um nó de forca, enquanto me contava a história da sua família. O telefone tocou, recuei da luz. Ela atendeu, respondia timidamente, tentando ajeitar a aura sobre os loiros caracóis, outrora esticados. Era um daqueles dias, ela simplesmente não assentava. Recuei da luz, empurrei um pouco os lençóis. Estava calor. Ela desapertou o peito e por fim lançou a aura para cima do sofá. Voltou ao quarto, beijou-me e saiu. Até logo. O pescador era de uma ilha para lá da rota dos pássaros de metal, curiosamente, uma ilha repleta de maravilhas, vulcões e bandos do tamanho do céu, com as cores do arco-íris. Na minha casa nada me faltava, nem comida nem porrada, dizia ele, como eu era feliz antes de atracar no esgoto. Tentei-me apresentar, interrompeu-me. De olhos num balde escuro, contava-me de uma mulher que lhe contara os anos e os sonhos de uma vida desgastada. Essa mulher cuidara de um homem que não amava, sempre quisera ser enfermeira. Uma noite esse homem morreu, contava, e nessa noite ela me bateu à porta. Sabes o que fiz, perguntou antes de responder irritado, expulsei-a da minha ilha. Tenho oito filhos e vivo sozinho desde então, desde sempre. Ela escreveu-me durante anos, tentando justificar o contrário do que tentou justificar durante os anos anteriores, que ele não era a pessoa certa, que ele não podia sofrer um desgosto. Ele morreu à porta de casa, sufocado no próprio vómito tinto. Ela acusou-me, continuando, de não sentir o suficiente, de não sangrar o suficiente, de não morrer nos seus braços. Eu respondi-lhe que ambos tivéramos a nossa conta. Já tive a minha conta, disse-me, de olhos no balde, falta-me pagar. Bateram à porta. Desci as escadas a cambalear. Ninguém, apenas um rolo preto de sacos do lixo. Subi as escadas e parei ao reentrar na sala. A tua aura, entre escolhas descartadas de roupa menos arejada e colorida. A tua aura. Arranquei um saco do lixo. Abri-o. Um dia vais agradecer-me, pensei em voz alta.

inspired by: 'the noose' a perfect circle

segunda-feira, 9 de março de 2009

Aquilo que Não Podes

Dá ao homem o amor da sua vida por um momento. Toda a sua vida, anteriormente, foi uma preparação, e toda a vida a seguir, será uma celebração ou um luto. Mostrai ao homem os segredos do subterrâneo, as vozes do vento, os espíritos da planície, as ninfas dos lagos, as maravilhas do fogo, mil poetas e mil loucos, profetas, malabaristas, artistas. Todo um céu, todas as estrelas, todos os deuses e o cosmo inteiro. Dai-lhe toda a paz do mar, a coragem do próprio Hércules, a melodia de Orfeu, a Sabedoria de Taliesin, o Poder de Cristo; dai-lhe dinheiro até cair pobre. Fazei-o morrer até ser nobre. Dai-lhe o verdadeiro amor das coisas!


Ás vezes chegamos a passar o infinito, a eternidade, para voltar ao outro lado, àquele momento plenamente pleno.

domingo, 8 de março de 2009

Lamas

Lamas soltas pelo chão... O vento que sopra, mas não serve a todas as velas. Puxem-me essas cordas!... Não vão elas enrolar-se-nos ao pescoço.
A chaga do elefante morto é obra do beijo que roeu. Pega nele e foge; antes que a águia se enforque.
Dá-me o céu para pisar e deixa-te de recordações.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Excertos de uma Carta Eliminada

Escrevinhava enquanto pensava no que escrever, como se houvesse escrever e escrever, e desenhava um poema, distraído, construído nos becos e arrancado dos becos que ecoavam o pensamento do seu silêncio.

Era de noite na cidade

Os ébrios arrastavam-se, perdidos,

As prostitutas volviam-se, nos seus abrigos,

Os gatos assombravam presságios de amor,

A lua contava uma estoria de dor.

Os lampiões das ruas desertas

Soltavam baças sombras,

E no prédio velho aquela ultima luz,

Na última janela, tremeluzia apagada.


Foi ai que tomei a estrada,

Perguntava-me o que foi de nós e tu dizias:

Nada.

Foi então que dei por ti atropelada

Sirenes de cigarras assombiavam, e tu eras

Nada.

Os gatos perdiam-se no teu cadáver,

E tu eras

Tudo.

quinta-feira, 5 de março de 2009

O Principio do Fim

Ninguém te merece, disseste tu, ninguém te dará o devido valor, sinceramente, é isso que me afecta. Como poderia eu discordar do facto de estar condenado ao eterno desespero da solidão? Disse-te que para sempre aqui estaria, mas sei, nos confins do meu raciocínio, que nunca virás para me devolver o orgulho.